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Devoções Populares
Lamentar as alminhas
Raros são hoje os curiosos exemplares da iconografia popular que outrora se fixavam nas paredes de prédios e nas encruzilhadas dos caminhos e margens alagadiças dos nossos rios.
Ícones que revelavam o espírito bondoso da população e o respeito pela dor e tragédia humanas e sobretudo o seu sentimento religioso e crença no poder divino.
Era comum ouvir-se, nas noites frias de inverno, por horas mortas, o canto monótono dos que passavam na rua, discretamente iluminados por uma lanterna, praticando o velho costume de lamentar as almas, entoando uma ladainha arrastada e chorosa, rogando a Deus misericórdia para com as almas em sofrimento no fogo do Purgatório.
Percorriam as ruas e becos tortuosos e lamacentos da vila, de pés descalços, embrulhados nos seus coçados gabões de áspero burel, deslizando como sombras e rezando como monges e freiras em oração.
Dentro das casas acendiam-se à pressa candeias de azeite, que se penduravam nos postigos, por devoção e respeito, e todos respondiam às preces. A lamentação extinguia-se, então, ente o tilintar discreto de uma campainha e os da confraria retiravam-se lentamente, continuando as rezas em murmúrio.
Alminhas
A fé do povo retratava-se na construção de igrejas e capelas, onde praticavam o culto e cumpriam os seus deveres religiosos. As alminhas de devoção popular, que antigamente se encontravam com muita frequência, ainda se podem encontrar dispersas por todo o município, assinalando desastres, tragédias e crimes praticados nos locais onde elas se edificavam.
Em Ílhavo, existiam muitos desses retábulos, pequenos altares construídos em nichos abertos nas paredes das casas ou de muros de propriedade de pessoas que faziam a promessa, ou que, por devoção apenas, os mandavam fazer, uns pintados a óleo, outros entalhados em madeira, outros ainda modelados em barro vermelho da região.
As “alminhas” eram então nichos onde se colocavam flores e uma vela ou copo de azeite com lamparina, cuja luz estava sempre acesa para alumiar o caminho do Céu a todas as almas que precisassem de encontrar esse caminho. As alminhas encontravam-se muitas vezes nas encruzilhadas junto às estradas ou no local onde algo mau acontecera e alguém morrera.
Por vezes, eram pequenas capelas. Nos painéis pintavam-se Santos ou o Cristo Crucificado e a visão do Purgatório com as almas no meio do fogo, erguendo as mãos para o alto; por baixo inscreviam-se sempre as iniciais P.N.A.M. (Pai Nosso Ave Maria).
Era hábito, ao passar pelas Alminhas, parar para orar, depois de fazer o sinal da cruz.
Rezar o terço
Curioso também, e muito típico, era o velho e devoto costume de rezar o terço, em coro, pelo tempo santo, em diferentes locais da vila. Nestes atos tomavam parte somente mulheres, quase todas de famílias que viviam da faina do mar. A reza do terço fazia-se ao ar livrem já noite fechada, em pequenos largos, ou nos becos mais desafogados, com o mulherio acocorado sobre os rebates e os poiais de pedra vermelha das velhas casas.
Formavam-se então dois grupos de mulheres, um de cada lado do recinto, embrulhadas em seus mantéis de pano fraldinha. Algumas mulheres aproveitavam o tempo para ali trabalhar, mesmo às escuras, as canastras da rede das artes e das chinchas.
Outras, fiavam a lã churra e trigueira que haviam comprado na feira do bispo da Vista Alegre, para depois teceram as mantas de farrapos, às listas, os seus cobertores de inverno, e faziam meias grossas de agasalho para os seus homens.